Morte de homem trans em Ibiaçá é denunciada pelo MPRS como feminicídio
- Andrei Nardi

- 6 de ago.
- 2 min de leitura
Promotoria de Sananduva enquadra crime com base na "condição do sexo feminino" da vítima e aponta histórico de vulnerabilidade e rejeição à identidade de gênero como motivação estrutural
Em uma decisão que pode estabelecer um novo precedente jurídico no Rio Grande do Sul, o Ministério Público (MPRS) em Sananduva denunciou um homem de 21 anos por feminicídio qualificado pela morte de seu irmão, um homem transgênero de 29 anos. A vítima foi assassinada com 40 facadas na presença da mãe de ambos, no dia 19 de julho, na comunidade de Divino Faxinal, zona rural de Ibiaçá.
O entendimento jurídico do MPRS
A denúncia, assinada pelo promotor de Justiça Miguel Germano Podanosche, argumenta que o crime se enquadra como feminicídio devido à vulnerabilidade da vítima por sua condição de nascimento. “A denúncia se deu precisamente pela vulnerabilidade marcante que pessoas do sexo feminino têm nos diversos âmbitos da vida, especialmente o familiar. Nesse sentido, é inegável que pessoas que foram designadas como do sexo feminino no nascimento, mas que se identificam como do gênero masculino vivenciam situações de vulnerabilidade ainda maiores”, afirmou o promotor.
Ele explica que a acusação se baseia na literalidade da lei, que exige que o crime seja praticado por "razões da condição do sexo feminino", e não necessariamente pela identidade de gênero. “O caso é um dos primeiros no Brasil em que se discutirá a proteção outorgada pela nova lei do feminicídio [...] a pessoas do sexo feminino que apresentam identidade de gênero distinta”, ressalta Podanosche.
As motivações: do fútil ao estrutural
A investigação do MPRS apontou duas motivações para o crime. A imediata foi considerada fútil: uma discussão que começou após a vítima reclamar que o acusado estaria atrapalhando o descanso da mãe. A segunda, de caráter estrutural, revela um profundo histórico de vulnerabilidade e rejeição à identidade de gênero da vítima. “Esses elementos, somados à brutalidade do crime, indicam que o acusado não aceitava o pertencimento da vítima ao núcleo familiar”, concluiu o promotor.
Contraponto: investigação policial aponta ciúmes
A linha de investigação da Polícia Civil, contudo, apresenta uma motivação diferente. Segundo a delegada Alessandra Crestani, que conduz o inquérito, a hipótese de preconceito está descartada. Testemunhas relataram que os irmãos, que eram de pais diferentes, nunca tiveram um bom relacionamento. “Pelos depoimentos, os irmãos nunca se relacionaram bem e um tinha ciúmes do afeto materno dedicado ao outro”, informou a delegada. O suspeito se apresentou à polícia quatro dias após o crime e foi preso preventivamente.
Qualificadoras e outras acusações
Conforme a denúncia do MPRS, o crime foi praticado com emprego de meio cruel e com recurso que dificultou a defesa da vítima. Além do feminicídio, o denunciado responderá pelo crime de violência psicológica contra a própria mãe. A expectativa do Ministério Público é de que o réu seja julgado pelo Tribunal do Júri e, se condenado nos termos da denúncia, possa ser sentenciado a uma pena de até 55 anos de reclusão.










