Apostas online geram prejuízo anual de R$ 38,8 bilhões à economia e sociedade brasileira
- Andrei Nardi

- há 17 horas
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Estudo aponta que danos com saúde, suicídios e desemprego superam arrecadação fiscal; valor equivale a 26% do orçamento do programa Minha Casa, Minha Vida
O impacto econômico e social das apostas online (bets) no Brasil resulta em uma perda estimada de R$ 38,8 bilhões por ano, somando custos com saúde, perda de produtividade, criminalidade e assistência social. O dado integra o estudo inédito A saúde dos brasileiros em jogo, divulgado nesta terça-feira (2) pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps), Umane e Frente Parlamentar Mista para Promoção da Saúde Mental (FPSM).
O volume do prejuízo supera em 23% todo o orçamento do Bolsa Família de 2024 e representaria uma expansão de 26% nos recursos do programa habitacional Minha Casa, Minha Vida. O levantamento utilizou metodologia inspirada em estudos britânicos para mensurar as perdas diretas e indiretas causadas pela expansão do setor, que já conta com 17,7 milhões de apostadores em apenas seis meses. Cerca de 12,8 milhões de pessoas estão em situação de risco, segundo dados da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Detalhamento dos custos sociais
Do prejuízo total, 78,8% (R$ 30,6 bilhões) estão associados à saúde e perda de vida. O estudo detalha a composição dos custos anuais:
R$ 17 bilhões: Mortes adicionais por suicídio.
R$ 10,4 bilhões: Perda de qualidade de vida associada à depressão.
R$ 4,7 bilhões: Encarceramento por atividade criminal.
R$ 3 bilhões: Tratamentos médicos para depressão e transtornos do jogo.
R$ 2,1 bilhões: Pagamento de seguro-desemprego.
R$ 1,3 bilhão: Perda de moradia.
Os pesquisadores apontam que o crescimento acelerado, impulsionado pela exposição midiática e falta de regulação, agravou o endividamento das famílias e os quadros de sofrimento mental.
Disparidade na arrecadação e emprego
O retorno financeiro do setor ao Estado é considerado insuficiente para cobrir os danos. Enquanto os brasileiros destinaram cerca de R$ 240 bilhões às bets em 2024 — incluindo R$ 3 bilhões de beneficiários do Bolsa Família apenas em agosto —, a arrecadação de impostos somou R$ 6,8 bilhões até setembro, atingindo perto de R$ 8 bilhões no mês seguinte.
Mesmo com a projeção anual de R$ 12 bilhões em impostos, o valor cobre menos de um terço do prejuízo social calculado. Além disso, apenas 1% da arrecadação é destinada ao Ministério da Saúde (R$ 33 milhões até agosto), sem vinculação obrigatória com a Rede de Atenção Psicossocial (Raps) do SUS.
No mercado de trabalho, o impacto é classificado como "irrisório". O setor gera apenas 1.144 empregos formais. Para cada R$ 291 de receita das empresas, apenas R$ 1 retorna como salário formal. A informalidade atinge 84% dos trabalhadores da área, mais que o dobro da média nacional de 36%.
Propostas de regulação e modelo britânico
O estudo sugere a adoção de medidas de redução de danos inspiradas no Reino Unido, como mecanismos de autoexclusão (bloqueio de acesso aos sites por até cinco anos), restrição severa à publicidade com influenciadores e direcionamento de 50% dos impostos para tratamento de saúde.
Para o cenário brasileiro, o Ieps propõe cinco caminhos imediatos:
Aumento da taxação destinada à saúde;
Formação de profissionais do SUS para acolhimento de viciados;
Proibição de propagandas e campanhas de conscientização;
Restrição de acesso a menores e grupos de risco;
Regras rígidas para garantir retorno financeiro e inibir corrupção.
Rebeca Freitas, diretora do Ieps, afirma que a falta de regulação firme favorece um lobby comercial em detrimento da saúde pública e defende mecanismos sólidos de proteção, já que a proibição não está em pauta.
Setor critica aumento de carga tributária
O Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR), que representa 75% do mercado, posicionou-se contra o aumento da tributação, atualmente em 12% sobre a receita bruta (com proposta de ir a 24% no Senado). A entidade argumenta que a tributação excessiva fortalece o mercado clandestino, onde já operam mais de 51% das apostas no país.
Contexto político
Os danos do setor foram tema de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Senado, que investigou o impacto no orçamento familiar e ligações com o crime organizado. O relatório final, que pedia o indiciamento de 16 pessoas, foi rejeitado pelos parlamentares, fato inédito em uma CPI do Senado nos últimos dez anos.










